quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Muro da Esperança



Sob o olhar atento dos pais, jovens vindos de diferentes regiões do Brasil
participam de testes na Toca da Raposa I
para realizarem o sonho de se tornarem jogadores de futebol
Por Gustavo Aleixo




Fotos
: Bruno Senna 

Durante todo o ano, o Cruzeiro realiza vários testes na Toca da Raposa I para atrair novos jogadores que, no futuro, poderão ostentar a camisa estrelada no time profissional. Para isso, o Maior de Minas sempre está de portas abertas, dando a chance para atletas que não foram descobertos pelos observadores técnicos do Clube mostrarem suas qualidades. 

Participam desse primeiro processo, jovens inscritos no site do Clube e que atuam em escolinhas de futebol, estudam em alguma instituição de ensino e que estão aptos, sob atestado médico, à prática esportiva. Aprovado, o atleta passará por outras duas seleções para se tornar jogador do Cruzeiro. Assim, a Raposa mantém a qualidade com que capta promessas para as categorias de base.

Sonhos à prova

Na casa de muitos garotos que batiam à Portaria 2 da Toca da Raposa I, aquela terça-feira de forte calor significava um dia que já estava marcado no calendário. Era a seletiva para as categorias pré-infantil e infantil, o começo de um sonho que muitos meninos alimentam desde pequenos: ser jogador de futebol.

Um a um, os atletas se apresentavam. Rápida checagem do nome e eles adentravam o lugar onde vários craques entraram desconhecidos e saíram rumo ao estrelato. Alguns não se contêm e, em um ligeiro rolar de olhos, miram o gramado, talvez construindo em pensamento a melhor forma de mostrar o seu valor. Era apenas o primeiro de três dias de avaliação. Duas horas diárias de treinos, que passaram velozes, principalmente à vista daqueles que não podiam entrar para incentivar e apoiar seus filhos.

Atrás dos muros, pais ignoravam a recomendação de que não fossem à Toca I. Alguns subiam no primeiro objeto que viam, outros ficavam em cima da garupa da moto e tinha até quem se equilibrava sobre duas tábuas cuidadosamente colocadas sobre uma enferrujada lata de tinta. Tudo isso para ver, em um camarote dos mais improvisados, a que pé andava aquele teste. Dentre eles, um chamava atenção. Ele espiava, como uma criança que olha pela fechadura, o que se passava do outro lado. Era o Seu Adalberto Celestino que veio de Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, para ver seu filho Victor, de 15 anos, tentar uma vaga como atacante da Raposa. Uma fantasia que diz ser dele também.

De olho: Adalberto observa seu filho em campo
“Quem não quer jogar no Cruzeiro? Sempre tive vontade de jogar bola, mas nunca tive a oportunidade que ele está tendo. É o sonho de um pai que se realiza pelo filho. Todo lugar que ele vai, eu vou. Largo o meu serviço para ficar com ele, como pai tenho sempre que ajudar meu filho.  A gente fica com as pernas bambas. É como se fosse uma final de um campeonato isso aqui”, diz o senhor, que, mesmo no auge dos seus cabelos brancos, não esconde a emoção ao ver Victor entrar em campo.

“Conversa com esse aqui. Ele veio de longe”, grita um rapaz. Desce do muro, então, um sujeito de jeito simples, de fala arrastada e tranquila. Maurício Roberto dos Santos veio de Mogi Guaçú, município paulista a pouco mais de 160 quilômetros da capital, na esperança de ver o filho Guilherme, de 14, se tornar lateral-direito do Cruzeiro. ”Foram nove horas de viagem. Vim no escuro, me perguntando o que eu estava fazendo, onde estava levando meu filho”, relembra Maurício.


Para pai e filho, batalhar por cada oportunidade tem sido importante. Com o apoio de toda a família, o garoto já participou de outros testes, mas ainda não obteve sucesso. No entanto, a ajuda jamais cessou. “Tem cinco anos que nós corremos atrás. Todo mundo lá na cidade ajuda. É ‘vótrocínio’, ‘paitrocínio’. Um dá chuteira, outro paga a passagem. Somos uma família humilde e a gente faz o que pode”, ressalta. 

Para manter viva a esperança, Maurício gastou toda a pensão recebida pela previdência social por um acidente trabalhista, que o fez perder parte do dedo no fim do ano passado. Se não bastasse isso, a viagem para BH poderia também lhe custar o seu benefício. “Eu tinha uma perícia para avaliar a situação do meu dedo. Expliquei a situação e me disseram que a consulta passaria para sexta-feira. Pode ser que eu tenha que ficar aqui até lá e perca de novo a data”.

Maurício volta ao muro para ver os minutos finais da “peneirada”. A avaliação chega ao fim e, com a adrenalina mais baixa, seguimos conversando sobre tudo o que rodeava aquele dia. Em um rápido instante, ele não se segura e desaba. Com a fala embolada e com os olhos marejados, era notável que existia algo muito além daquele teste. “Tive um final de ano complicado”, recorda. Exatos sete dias após perder parte do seu dedo. Maurício descobrira que sua mãe estava muito doente. Um câncer nos rins havia sido detectado. O estado era terminal e um mês depois ela faleceu, não sem antes fazer uma importante promessa: iria comprar uma chuteira para o seu neto.

Em virtude da velocidade arrebatadora que evoluiu a doença, não foi possível que ela realizasse seu desejo. Honrando a promessa, Maurício e seu pai compraram, com a pensão recebida, a chuteira, a mesma que Guilherme utilizava naquela tarde. Aquelas palavras me atingiram em cheio. Apertei as mãos de Maurício. Desejei sorte, sabendo que já era impossível manter qualquer tipo de imparcialidade. Também passei a torcer por aquele menino. Dias depois, saiu o resultado da seletiva. Victor e Guilherme foram reprovados. A concorrência era muito forte. 

Os anos passarão, mas a esperança daquelas famílias se manterá viva no muro da Toca I e em outros lugares, para que Guilherme e Victor sigam atrás do sonho de serem jogadores de futebol. E, talvez consigam, quem sabe em um novo teste nos gramados da Toquinha.

Guilherme e o pai Maurício na Toca I: em busca do sonho de ser jogador de futebol
*Matéria originalmente publicada na edição 118 da Revista do Cruzeiro.

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