terça-feira, 9 de junho de 2015

A Copa invisível e a cegueira da preconceito


por Pedro Galvão


    Você provavelmente não sabe, mas hoje o Brasil estreia na Copa do Mundo de Futebol.  Sim, Copa, FIFA, futebol e Seleção Brasileira. Quase igual a do ano passado, só que em vez de homens, são mulheres jogando. Por isso, você provavelmente não está sabendo ou se importando. Por isso, são muito menos milhões de dólares envolvidos em negociações e anúncios (e propinas…). Por isso, nem mesmo as emissoras que detêm os direitos de transmissão do Mundial, Sportv e Band, dão muito destaque aos jogos, sediados no Canadá (A estatal TV Brasil também transmite, mas você provavelmente nem sabe qual é esse canal). Por isso, 20 das 23 convocadas do Brasil não atuam por nenhum time, já que o esporte que vendemos para o mundo, de forma bem charlatã, como nossa maior paixão ainda não foi profissionalizado para as mulheres por aqui.

    Mas não percamos tempo reforçando uma desigualdade mais que óbvia. Os fatos falam por si só e tem gente muito mais qualificada por aí para escrever sobre questões de gênero. Foquemos no futebol.  A ideia aqui é apenas questionar alguns dogmas colocados por nós para justificar nossa má vontade com o futebol feminino.

Seleção Brasileira se preparou durante quatro meses para o Mundial Feminino do Canadá
     Infelizmente, é natural do ser humano achar subterfúgios para suas misérias preconceitos. No futebol não é diferente. Em vez de assumirmos que não damos a mínima para o futebol de mulher porque somos, desde sempre, acostumados a pensar que futebol é ”coisa de homem e pronto”, preferimos levantar suspeitas sobre a capacidade física e técnica delas de driblar e chutar a bola dentro da baliza, institucionalizando de forma cruel esse preconceito.

 “Não adianta, jogo de mulher é muito chato”, diz a voz do senso comum, com a compaixão de quem mata um frango para cozinhá-lo.

    Porém, se você checar as médias de gols dos últimos mundiais femininos e masculinos, vai constatar que o campeonato das mulheres (2,86 gols por partida em 2011) superou o dos homens em suas duas últimas edições (2,67 em 2014 e 2,27 em 2010). Por falar no último mundial feminino, vale lembrar da dolorosa e emocionante eliminação do Brasil, nas quartas de final, tomando o gol de empate nos acréscimos da prorrogação e perdendo nos pênaltis para as favoritíssimas norte-americanas. Essas, por sua vez, foram surpreendidas pelas japonesas na final, também nos pênaltis, depois de dois gols para cada lado nos 120 minutos de jogo.

 “Mas o nível técnico é muito ruim, não dá…”, diz outra voz, cheia de razão.

    Como se todo jogo de homens, pelos quais vibramos, choramos, brigamos e largamos tudo para ver, fossem primores de técnica e tática, dignos do Barcelona de Messi ou da Alemanha que humilhou nossos “craques” dentro de casa.  Por falar em craques, entre as mulheres ainda temos Marta em campo pela nossa seleção. Talvez a melhor jogadora de todos os tempos, capaz de oferecer um belíssimo repertório de jogadas que não temos visto com frequência em algumas ligas masculinas que acompanhamos.

 “O problema é que o futebol deveria ser adaptado para as mulheres, assim como o basquete e o vôlei são, com rede e cesta mais baixas“, diz outra voz, esta mais aberta ao diálogo.

    De fato, essa prerrogativa é válida e faz sentido. Por outro lado, se o futebol já excludente com as mulheres utilizando as mesmas estruturas e equipamentos, imagina precisando de outros campos e outra bola. O modelo atual favorece, no jogo delas, um estilo mais cadenciado, menos veloz, de menos força e com mais gols. Características que a crônica especializada lamenta muito estarem cada vez mais ausentes no jogo dos homens. Que tal entender que o futebol de mulheres é apenas diferente do dos homens, e não melhor ou pior? Assim como no masculino, existem jogos bons e jogos ruins, jogadoras mais ou menos habilidosas, partidas mais ou menos emocionantes, mas é tudo futebol.

    Que fique claro que ninguém é obrigado a gostar de nada, nem assistir a jogo nenhum que não esteja a fim. É óbvio que o futebol masculino, por uma infinidade de razões, ainda desperta muito mais paixões e atenções, tanto nos homens como nas mulheres, em quase todo o planeta. Porém, que tal se, aqui no ””’país do futebol””, déssemos uma chance também ao futebol feminino, assim como demos ao football americano e ao rugby, dos quais morríamos de preguiça até outro dia e hoje somos grandes entusiastas?

    Se não dá para assistir, acompanhar, incentivar e ir atrás, até pela absurda falta de apoio das federações, clubes e televisões, PELO MENOS NÃO FALE MAL do jogo delas.  Já é uma grande ajuda. No mais, várias coisas também estão ao seu alcance, como incentivar sua filha que gosta de jogar bola da mesma forma que incentivaria o irmão dela, matriculando na escolinha e indo ver os jogos. A lista de atitudes para um futebol mais legal e inclusivo é extensa, mas para começar, basta lembrar que futebol não é ‘coisa de homem’, mas coisa de gente.

   Ah, e o Brasil estreia no Mundial Feminino do Canadá nesta terça, às 20h, contra a Coréia do Sul. O jogo será transmitido pela TV Brasil, pela Band e pelo Sportv 2.



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